A gestação é um momento especial repleto de
significados e emoções para a família e um acontecimento
que demanda uma série de ações pela área da saúde.
Nos últimos anos, um tema tem emergido cada vez com
mais força, exigindo debates, ações e principalmente, uma
mudança de olhar por parte dos/as pesquisadores/as, gestores/
as, trabalhadores/as de saúde e ativistas: a importância do
envolvimento consciente e ativo do pai/parceiro.
Usualmente, a gestação é definida pelas mudanças
observadas no corpo feminino a partir dos meses iniciais.
Nesse contexto, muitas vezes a paternidade parece só existir
quando a criança nasce ou mesmo quando ela já está mais
crescida. Mas, isso não precisa ser assim.
Muitos homens de diferentes idades demonstram desejo
de participar ou efetivamente participam em todos os
momentos da gravidez, desde a decisão compartilhada de
ter um filho, passando por todas as fases da gestação, até o
desenvolvimento da criança (UNFPA e Instituto PAPAI, 2007).
Quem já passou por esta experiência ou mesmo acompanhou
de perto uma gestação pode facilmente comprovar que
independente da configuração familiar, este período traz à tona
uma série de emoções e de decisões que impactam o cotidiano
das já formadas ou futuras famílias.
Nesse sentido, o período da gestação é de grande importância para todas as pessoas
envolvidas a fim de que, as mudanças de rotina e as adaptações decorrentes da chegada
desta nova vida, transcorram de forma fluida e tranquila para todos.
Tradicionalmente, as estratégias e ações de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS voltadas
aos direitos reprodutivos, incluindo o acompanhamento da gestação e o momento do parto,
têm se centrado quase que exclusivamente nas mulheres e/ou no binômio mãe-criança.
No entanto, diversos países que desenvolvem estudos e pesquisas aplicadas a esta
temática, ressaltam a importância e os resultados positivos do engajamento ativo dos
homens em todo esse processo.
Por outro lado, ainda é possível encontrar obstáculos e resistências, naturais a qualquer
processo que envolva mudança de paradigmas e novos modos de trabalho, por parte de
alguns gestores/as, trabalhadores/as de saúde e uma parcela significativa da população
masculina e feminina no que tange ao engajamento dos homens nesses temas. Isso é compreensível, pois seguindo valores passados por uma cultura e uma sociedade
patriarcal, ainda predominantemente machista, esta mentalidade defende a manutenção
de papéis rígidos de gênero para mulheres e homens. Muitas vezes, isso inclui a percepção
de que a gestação e o cuidado de filhos/as dizem respeito exclusivamente às mulheres.
Especificamente relacionado à população masculina, percebemos que a vivência de um
número significativo de homens brasileiros é marcada por uma constante vigilância e
questionamento sobre o que de fato representa ser um “homem de verdade” e como este
deveria se comportar para tal.
Nesse cenário, a necessidade de negação de qualquer aspecto que possa ser interpretado
como ‘feminino’ é algo estritamente ligado às experiências masculinas, o que os afasta, por
exemplo, do afeto e cuidado com os/as seus filhos/as e também do cuidado com a própria
saúde.
Em outras palavras, como pontua o pesquisador canadense Michael Kaufman, observamos
um “paradoxo do poder masculino”, onde, para ter acesso a uma série de privilégios e mais
poder em relação às mulheres, os homens constroem armaduras que os isolam do contato
afetivo com o próximo e da esfera do cuidado e da saúde, seja para outros ou para ele
mesmo (Kaufman, 1999).
Com base neste estereótipo, que permeia ainda o imaginário simbólico e concreto de
muitos homens, podemos compreender não apenas o distanciamento deles em relação à
paternidade, como também a exposição a diversas situações de riscos desnecessários à
saúde, que têm colaborado decisivamente para que, no Brasil, eles vivam em média sete
anos menos do que as mulheres.
Dentro dessa mesma lógica, sabemos que um número significativo de homens não se
envolve com a gestação de suas parceiras e que outros não chegam a desenvolver qualquer
vínculo com seus filhos e filhas, ainda mais quando não estão em um relacionamento
afetivo com a mãe.
No entanto, para outros homens, o período da gestação pode suscitar as mais diversas emoções
e até mesmo sintomas físicos. Assim como as mulheres, é muito comum que os futuros pais
engordem, sofram enjoos, tenham desejos, crises de choro, dentre outros sintomas.
Este Guia apresenta a estratégia Pré-
Natal do Parceiro, uma ferramenta inovadora
que busca contextualizar a importância do
envolvimento consciente e ativo de homens
adolescentes, jovens adultos e idosos em todas
as ações voltadas ao planejamento reprodutivo
e, ao mesmo tempo, contribuir para a ampliação
e a melhoria do acesso e acolhimento desta
população aos serviços de saúde, com enfoque
na Atenção Básica. Historicamente, tanto o planejamento reprodutivo
quanto as ações em saúde voltadas ao momento
da gestação, parto e puerpério foram pensadas
e direcionadas às mulheres e às gestantes,
enfocando o binômio mãe-criança.
No entanto, um movimento crescente observado no Brasil, e também em vários outros países
do mundo, tem defendido que os homens podem e devem ser envolvidos integralmente em
tudo o que diz respeito à tomada de decisão reprodutiva, desde a escolha de ser pai à
participação solidária na gestação, no parto e no cuidado e na educação das crianças.
O argumento central trazido por este debate é que, desta forma, é possível romper e
transformar, na prática, construções sociais de gênero que, por um lado, direcionam todas
as responsabilidades relacionadas à reprodução e aos cuidados das crianças às mulheres
e, por outro, afastam os homens tanto dos compromissos e dos deveres, quanto dos
prazeres e dos aprendizados que circundam este universo.
O envolvimento consciente dos homens – independente de ser pai biológico ou não – em todas
as etapas do planejamento reprodutivo e da gestação pode ser determinante para a criação e/ou
fortalecimento de vínculos afetivos saudáveis entre eles e suas parceiras e filhos(as).
Ressaltamos que isto pode ser positivo não apenas para as crianças e mulheres, mas
especialmente para os homens, por aproximá-los definitivamente da arena do afeto e do cuidado.
Nesse contexto, o Pré-Natal do Parceiro propõe-se a ser uma das principais ‘portas
de entrada’ aos serviços ofertados pela Atenção Básica em saúde a esta população, ao
enfatizar ações orientadas à prevenção, à promoção, ao autocuidado e à adoção de estilos
de vida mais saudáveis.
Fonte: Guia do Pré-Natal do Parceiro para Profissionais de Saúde /Angelita Herrmann,
Michelle Leite da Silva, Eduardo Schwarz Chakora, Daniel Costa Lima. - Rio de
Janeiro: Ministério da Saúde. 2016.
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